Kari Vieira

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Ôdekasa, é uma mania regional das pessoas baterem à porta das casas para pedirem informações... São peculiaridades dos "mineiros",das pessoas do interior, das pessoas simples e bem chegadas... O meu Ôdekasa é isso! Chegue mais, com um sorriso no rosto, a paz do interior, o jeito humilde e prestativo de lhe servir uma caneca de café, uma broa de milho, ouvir histórias, músicas, andar com pés no chão, e com uma ternura no olhar sempre! Toc Toc Toc... ÔdeKasa ! Sejam sempre bem vindos!

30 de janeiro de 2013


A PAIXÃO ACONTECE

Arte de Marc Chagall

Se você recusou sua rotina, deixou de fazer aquilo que mais gostava em nome de alguém, torrou seus bens, abandonou os amigos e os prazeres mais fundamentais, isso não é amor, é paixão.

A paixão é uma fatalidade, o amor é uma escolha.

A paixão é egoísta, o amor é generoso.

A paixão é renúncia, o amor é recomeço.

A paixão arrebenta, o amor adapta.

A paixão é confinamento, o amor é abrigo.

Não há paixão pequena, paixão simbólica, paixão discreta: é grandiosa no início e escandalosa no final.

Não recomendo, muito menos desaconselho: é experiência para os fortes.

Nada do que viveu antes terá sentido, nada do que possa viver depois terá sentido. Conjugará interminavelmente o presente do indicativo.

Atingirá um extremo emocional perigoso: você passa a ser do outro em tempo integral. Conhecerá sua pior crise de nervos, seu mais fundo estresse emocional, seu mais absurdo esgotamento da memória, sua mais humilhante falência financeira.

Uma vez apaixonado, você rejuvenesce 10 anos em 10 horas. Mas, uma vez desapaixonado, você envelhece 10 anos em 10 horas.

A paixão ou é imensa, ou não é. Ela não pede desculpa, não negocia: equivale a uma dependência química em seu estado mais selvagem.

É o equivalente ao sequestro de uma vida. A própria vida. Você é o sequestrador e o refém ao mesmo tempo.

Não há desconto, adiamentos, pechincha. A paixão exige pagamento à vista, execução sumária.

Nunca vi nenhum apaixonado transferir compromisso para o dia seguinte, ele somente antecipa.

Não é que a paixão seja rápida, é devastadora, não sobra coisa alguma para continuar.

O apaixonado não abre negócios, mas fecha portas. Não areja a cabeça, não tem grandes ideias, não combate preconceitos, emburrece progressivamente, a ponto de só ter um número para ligar e um lugar para ir.

Ele não tem sangue-frio, não raciocina, não elabora planos, não arruma álibis.

A paixão é um crime malfeito, facilmente descoberto.

Os envolvidos desprezam o mundo, não se importam se estão sendo vistos, se beijam em público, se são casados, noivos ou recém-viúvos, se serão criticados pelos vizinhos e familiares.

O apaixonado joga tudo para o alto e não fica para segurar nada.

Ele não tem discernimento, não lê jornal, perde sua capacidade de decidir sobre a trajetória.  Apresenta a superstição de um velho, a intuição de uma criança.

É um idiota sábio. Idiota porque não se defende da tristeza, sábio porque não se protege da alegria.

Não existe mais bom e ruim, certo e errado, esquerda e direita. Não tem sentido julgar. Não tem como se orgulhar do que foi realizado, muito menos se arrepender.

Você muda de personalidade, larga trabalho, descuida da família para se dedicar inteiramente a não pensar e somente sentir.

Não podemos nem dizer se a paixão ajuda ou atrapalha, ela acontece. É uma sorte azarada.



Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 29/1/2013
Porto Alegre (RS), Edição N° 17327

28 de janeiro de 2013

Aos nossos queridos de Santa Maria...

Toda essa tragédia de Santa Maria , tudo isso muito triste que aconteceu me fez lembrar um texto de Martha Medeiros:

"Morrer é ridículo"

Morrer é ridículo. Você combinou de jantar com a namorada, está em pleno tratamento dentário, tem planos pra semana que vem, precisa autenticar um documento em cartório, colocar gasolina no carro e no meio da tarde morre. Como assim? E os e-mails que você ainda não abriu, o livro que ficou pela metade, o telefonema que você prometeu dar à tardinha para um cliente? Não sei de onde tiraram esta ideia: morrer. A troco? Você passou mais de dez anos da sua vida dentro de um colégio estudando fórmulas químicas que não serviriam pra nada, mas se manteve lá, fez as provas, foi em frente. Praticou muita educação física, quase perdeu o fôlego, mas não desistiu. Passou madrugadas sem dormir para estudar pro vestibular mesmo sem ter certeza do que gostaria de fazer da vida, cheio de dúvidas quanto à profissão escolhida, mas era hora de decidir, então decidiu, e mais uma vez foi em frente. De uma hora pra outra, tudo isso termina numa colisão na freeway, numa artéria entupida, num disparo feito por um delinquente que gostou do seu tênis. Qual é? Morrer é um chiste. Obriga você a sair no melhor da festa sem se despedir de ninguém, sem ter dançado com a garota mais linda, sem ter tido tempo de ouvir outra vez sua música preferida. Você deixou em casa suas camisas penduradas nos cabides, sua toalha úmida no varal, e penduradas também algumas contas. Os outros vão ser obrigados a arrumar suas tralhas, a mexer nas suas gavetas, a apagar as pistas que você deixou durante uma vida inteira. Logo você, que sempre dizia: das minhas coisas cuido eu. Que pegadinha macabra: você sai sem tomar café e talvez não almoce, caminha por uma rua e talvez não chegue na próxima esquina, começa a falar e talvez não conclua o que pretende dizer. Não faz exames médicos, fuma dois maços por dia, bebe de tudo, curte costelas gordas e mulheres magras e morre num sábado de manhã. Se faz check-up regulares e não tem vícios, morre do mesmo jeito. Isso é para ser levado a sério? Tendo mais de cem anos de idade, vá lá, o sono eterno pode ser bem-vindo. Já não há mesmo muito a fazer, o corpo não companha a mente, e a mente também já rateia, sem falar que há quase nada guardado nas gavetas. Ok, hora de descansar em paz. Mas antes de viver tudo, antes de viver até a rapa? Não se faz. Morrer cedo é uma transgressão, desfaz a ordem natural das coisas. Morrer é um exagero. E, como se sabe, o exagero é a matéria-prima das piadas. Só que esta não tem graça.